quinta-feira, 21 de maio de 2009

A cegueira no Brasil

Criticar a sociedade do século 21, a partir de uma situação hipotética ocorrida num passado não muito distante. A meu ver, é disso que trata o filme Ensaio sobre a cegueira. A obra é magnífica, do ponto de vista de quem procura ali uma análise da sociedade atual.
O filme mostra a história de uma cidade que vive uma epidemia de cegueira. Os cegos são enclausurados num prédio, que não tem condições de abrigar as centenas de pessoas que foram enviadas pra lá. Não há, em nenhum momento, proteção dos governantes que se preocuparam apenas em isolar os “doentes”. No filme, a única intervenção do governo se dá com o envio de alimentos (limitados) e a segurança (ou isolamento) do local. As pessoas ficam ali esquecidas, como se fossem, além de cegos, invisíveis.
O filme leva o espectador brasileiro a lembrar a situação de segregação que acontece hoje no Rio de Janeiro*. Além disso, Ensaio sobre a Cegueira joga com sentimentos que vão além do amor e ódio: gratidão, asco e medo são apenas alguns deles. É interessante ver que na nova “moradia”, as pessoas são obrigadas a viver o coletivo. Algo difícil de se pensar hoje, quando vivemos com grande incentivo ao individualismo.
Não li a obra de Saramago, na qual o filme se inspira, mas fiquei com vontade, porque os sentimentos que o filme proporciona devem ser ainda mais aguçados com a leitura do livro. Mas, com o filme, já vale a reflexão: quem são os invisíveis de hoje no Brasil? Quem são os que ficam isolados, esquecidos, sem condição nenhuma de progredir? Quem são aqueles que sequer são ouvidos?

* "Seja na cidade do Rio, em Duque de Caxias, em Macaé etc, o discurso do choque de ordem bota abaixo sem discussão a história, a cultura, a vida das pessoas, antes que se possa argumentar com a lógica, com o bom senso. Exatamente o que fazia a ideologia do nazi-fascismo. Parece exagero, mas esse discurso – e sua prática sumária – é uma prima de primeiro grau dos linchamentos de mendigos, da queima de índios nos pontos de ônibus, das surras em prostitutas na madrugada. Tudo em nome da “ordem”, da “limpeza” das ruas, do “ordenamento”, da “organização”, da assepsia, do “bom visual”. [...]
Porque afinal de contas, essa política também é extremamente covarde: primeiro baixamos o cacete nos informais, nos malditos camelôs, nos biscateiros ilegais que atravancam o progresso do país... Depois, se der tempo, podemos desconcentrar a renda, fazer reforma agrária, prender os corruptos e fazê-los devolver o dinheiro, essas coisas. Depois. Agora não. O valente só é valente em relação ao mais fraco. Qualé, choque?..."
(trecho de texto publicado em março, no portal Overmundo)

* Sobre o assunto, ver também portal Inverta
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3 comentários:

  1. Olá!

    Primieramente, agora eu fiquei curiosa pra assistir esse filme. Parece ser muito interessante.

    "Segundamente" hehe, ler esse texto me remeteu às aulas de História do 2º grau, nas quais eu tive um professor excelente. Numa dessas aulas ele falou sobre fascismo. Ele explicou que essa palavra significa "feixe de varas". E partir da própria tradução da palavra ele fez uma comparação que eu acho que explica muito bem psicologicamente falando o que leva alguém a agir dentro disso. Ele disse para imaginarmos as pessoas unidas, fechadas nesse feixe de varas. Tudo o que for externo a elas não é aceito, não é correto. Só que isso não é por terem segurança de si mesmas ou por terem força, e sim pelo contrário, por serem fracas e precisarem estar nesse feixe para se auto-afirmar. Por falta de confiança, elas se fecham nesse feixe de varas e excluem as restantes, as que estão fora do feixe. E claro, só atacam aquilo que for aparentemente mais frágil, aquilo que é possível de se atacar com o feixe todo com a "vitória certa" (quando acabam, infelizmente, sendo maioria, praticando atos ofensivos e inaceitáveis como queimar o índio na parada de ônibus).

    Bom, recordei toda essa comparação pra tentar explicar (o que talvez seja inexplicável, já que a meu ver, praticar fascismo ou qualquer derivação dele é não-humano e um tanto quanto baixo) o que se passa no nosso país. Não só a política, mas nós no dia-a-dia, achamos muito fácil atacar aquilo que é mais frágil que o feixe, enquanto as coisas maiores que ele ficam esquecidas. Mas aí eu me pergunto: seriam mesmo maiores que o feixe? Mais fortes que ele? É, enquanto feixe sim. O feixe na verdade é fraco demais para elas. Então entra a questão de esquecer o feixe, e enxergar que não precisamos dele. Se cada um lutasse pelo que acredita muitas coisas que parecem imposíveis já teriam sido realizadas e os invisíveis seriam ouvidos, porque sem o feixe lutamos pelo bem comum.

    E eu falei demais xD não sei se deu pra entender a idéia, mas como sempre muito bons teus posts. Eles fazem a gente refletir bastante, e isso é algo raro ultimamente.
    Parabéns!

    Beijos!

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  2. Olá, não conhecia seu blog. Gostei muito. Publiquei um artigo sobre Ensaio, do Saramago. Talvez goste de ler. Saiu na revista Acontece Sul, para a qual escrevo sobre cinema todos os meses.

    Beijo
    Carpe Diem!!!

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  3. Também fiquei bem tentada a ler o livro do Saramago. O filme é um convite a repensarmos a sociedade, das mais variadas formas. Além disso, ele é carregado de símbolos. Cada personagem, cada local, cada situação remete a outa coisa. (inclusive, pensei em mais um enquanto escrevia esse comentáio, hehehe)

    Bjo, até!

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